terça-feira, 28 de agosto de 2012

MORTE NO CEMITÉRIO

Os raios de sol passavam oblíquos pela persiana rota, formando desenhos cubistas na parede do quarto que, imunda, cedia seus contornos à picasseana obra do acaso. O astro maior explodia lá pelas duas da tarde em um dia caloroso, sufocante, incomum para a época. A gana de mover um músculo desaparecera, desde o momento que deu conta de estar acordado. O sono foi embora, mas a simples idéia de abrir os olhos já lhe mortificava a alma - não havia alternativa - o tempo urgia. Mal vestiu-se e logo saiu em disparada. O desânimo ainda não o abandonara, também a encalorada tarde que sufocava e fazia escorrer pela espinha um suor melado. Caminhava a passos largos, sempre atentos ao relógio. A medida que percorria o caminho, sentia arder sua úlcera como nunca - era um sinal que as coisas não iam muito bem. "há muito tempo as coisas não andavam certas" - pensava enquanto caminhava sem desacelerar o passo - “... mas... quando as coisas foram certas? houve um tempo em que parecia que tudo estava entrando nos eixos, pura ilusão..." - virou a esquina que dava para o cemitério e sua mente afogou-se em amargas lembranças - era inevitável. No portão, um sujeito com um dos olhos murcho - aspecto soturno - lhe esperava demonstrando um pouco de impaciência e certo nervosismo. "está atrasado" - disse o homem. Sem lhe responder, passou direto pelo portão. Estava tomado pela ansiedade, queria acabar logo com tudo aquilo. - "você o viu entrando?" - o sujeito não disse palavra, mas acenou positivo com a cabeça. - "trouxe a encomenda?" - outro aceno semelhante - "vamos acabar logo com isso". O lugar, mesmo naquela tarde ensolarada, ainda preservava o aspecto lúgubre, sombrio. Estatuetas rotas de anjos, santos e cruzes de concreto, acentuavam o desespero tácito que pairava como neblina sobre um lago. Os dois caminhavam desoladamente como quem vai para o próprio abate - não se ouvia o respiro. A cena se desdobrava como em um conto de Poe. O outro lhe entregou o objeto de metal que reluzia ao sol escaldante, já carregado e pronto. - "ali... vê... lá está... ele! como eu havia dito - disse o homem do olho murcho. Entre dois jazigos maiores, havia uma tumba modesta, um homem, já com certa idade - prostrado - trazia flores nas mãos. Com a arma em punho mirou a nuca do infeliz, que absorto em seu mórbido transe, não percebeu seu assassino. Hesitante, mãos trêmulas, quase percebia-se pela camisa seu peito pulsar. Ouviu-se um estampido seco, e o homem caiu para frente com o rosto em seu próprio sangue que esvaía-se pela boca ouvido e nariz. voltou para o cúmplice ainda trêmulo - "está feito" - disse. O outro - do olho murcho - mandou uns pontapés no corpo já sem vida, "Desgraçado! “Viu o que você nos obrigou a fazer” - logo caiu em prantos sendo amparado pelo comparsa - "vamos embora antes que seja tarde" - disse o outro, ainda com a arma em punho. Os dois irmãos deixaram a tétrica cena em que o pai esvaia-se em sangue, no túmulo da esposa e mãe dos seus filhos. Marcos Barreto

Um comentário: